terça-feira, 27 de janeiro de 2009

PASSADO ANTIGO RECORDADO, PASSADO RECENTE ESQUECIDO

A palavra memento dá título ao filme de 2001, realizado por Christopher Nolan sobre a perda de memórias recentes na mente de uma pessoa, e tem origem entre 1350 e 1400, significando “objecto ou item que serve para recordar alguém ou eventos passados”.
Inicialmente, a ideia de memória é a que podemos achar mais interessante, e a forma como o filme mexe com essa ideia leva-nos a pensar em como tomamos como garantida a nossa memória recente e nem sequer reflectimos sobre o seu valor.

O filme está realizado de uma forma peculiar: numa tentativa de envolver os espectadores na história e na própria condição de Lenny, o filme contrasta entre acções ora do presente, ora do passado, sendo que estas últimas, as que Lenny consegue recordar, aparecem a preto e branco. As memórias passadas decorrem de forma cronológica, ao contrário das memórias depois do suposto assassinato da mulher de Lenny, que decorrem de forma contrária.
A perda de memórias recentes, ou amnésia anterógrada, decorre de um trauma cerebral em que a pessoa é incapaz de recordar eventos e representações recentes, mas consegue recordar perfeitamente eventos que ocorreram antes desse mesmo trauma cerebral.
A memória é um processo contínuo e “habituado”, que ocorre a todo o momento. Lenny tenta construir os seus pensamentos momentaneamente, daí a importância de ter Sammy Janknis tatuado na sua mão, por exemplo. Apesar de não ser possível guardar memórias recentes, quem sofre de amnésia anterógrada consegue perfeitamente formar associações físicas com objectos. Este facto constitui grande parte da história paralela de Sammy Jankins, e é devido a isto que Lenny pensa que Sammy está apenas a fingir ter a doença para receber o dinheiro do seguro, da seguradora onde Lenny é investigador. Contudo, prova-se que Sammy não estava a fingir, acabando por injectar insulina na sua esposa diabética três vezes seguidas num curto período de tempo, sem se aperceber. Esta estava não só a tentar descobrir se Sammy estava ou não a fingir, mas também se encontrava frustrada e farta de viver assim. No final do filme, apercebemo-nos que a história de Sammy foi a história de Lenny – foi Lenny quem matou a mulher com a dose exagerada de insulina, ela que (como conta Teddy) sobreviveu à violação e à noite de horror para Lenny. Após este ter levado uma forte pancada na cabeça, não se recorda que a mulher sobreviveu nem se recorda de nada mais que aconteceu após essa pancada.
Durante todo o filme, não conhecemos profundamente quem Lenny realmente é, apenas assistimos a acções isoladas de um homem que não sente nem o presente nem o futuro – dá-se a perda de identidade e é-se uma pessoa nova todos os dias. O facto de não conseguirmos construir expectativas sobre ele (porque não o conhecemos minimamente) torna o final um pouco chocante: Lenny é um assassino – matou a mulher, Jimmy Grants, outros homens com nome John ou James G. e, no final, Teddy. Atacou também Natalie e Dodd, a pedido de Natalie, com falsos pressupostos – esta contara a Lenny que Dodd lhe batia (quando foi, de facto, Lenny quem a agrediu), e a verdade é que Dodd apenas queria o que lhe pertencia: o dinheiro dos negócios com o traficante Jimmy Grant, e Natalie não queria pagar ou não tinha esse dinheiro.
Durante todo o filme, Lenny é enganado por pessoas (por exemplo, quando o dono do motel lhe aluga 2 quartos) e tenta, com fotografias e tatuagens que faz em si mesmo, reunir informações sobre as pessoas à sua volta, apontando-as imediatamente, antes que se esqueça. Lenny faz isto porque não sabe em quem confiar, e a única pessoa em quem pode realmente confiar é em si mesmo.
Lenny procura, todas as manhãs em que acorda, construir várias histórias do seu passado, como forma de justificar o porquê de conduzir um Jaguar, por exemplo. Assim sendo e, devido ao facto de que a sua última memória ter sido ver a sua mulher a morrer na casa-de-banho, todos os dias acorda com o mesmo objectivo: vingar a suposta morte da mulher (sendo que foi ele que, na verdade, a matou). Contudo, a vingança nunca levou à felicidade, sendo que poucos momentos depois de ter morto um dos supostos violadores já não se consegue lembrar e regressa à busca do violador.
Na minha opinião, o maior erro deste filme é o de que Lenny sabe, a todo o momento, que tem uma “condição”, a amnésia anterógrada. Se Lenny não se lembra de nada após a noite da violação da mulher, então seria impossível acordar todas as manhãs e saber que tem uma “condição” especial, que apenas lhe foi diagnosticada depois do acidente.
Para concluir, Memento é um filme com muito conteúdo e é rico na medida em que mexe com as ideias de consciência e memória. Leva-nos a reflectir sobre como seria a vida sem a capacidade de formar memórias recentes e criar novas representações a uma base que se altera constantemente, capacidade essa que utilizamos a todos os segundos da nossa vida.

Texto do aluno Rui Duarte (nº 20 - Turma 12º 3 - para a disciplina de Psicologia B) inspirado no filme «Memento» do realizador Christopher Nolan, 2001.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

PERCEPÇÃO E MEMÓRIA


Percepção, memória, emoções, linguagem, inteligência são as diferentes formas do conhecimento humano e animal que formam a cognição, ou seja, o termo “cognição” refere-se a todos os processos mediante os quais o input sensorial é transformado, reduzido, elaborado, armazenado, recuperado e utilizado. Estas actividades são necessárias para interpretarmos várias coisas no dia-a-dia.
O que é então, a percepção?
Percepção é a função cerebral que atribui significado a estímulos sensoriais, a partir de histórico de vivências passadas. Através da percepção um indivíduo organiza e interpreta as suas impressões sensoriais para atribuir significado ao seu meio. Consiste na aquisição, interpretação, selecção e organização das informações obtidas pelos sentidos. Por outras palavras, percepção é, precisamente, um processo cognitivo através do qual contactamos o mundo, que se caracteriza pelo facto de exigir a presença do objecto, da realidade a conhecer. Nesses sentido, distingue-se de outros processos cognitivos, como, por exemplo, a memória. Mas, no entanto, a percepção envolve também os processos mentais, incluindo a memória e outros aspectos que podem influenciar na interpretação dos dados percebidos.
E o que é a memória?
A memória é a capacidade de adquirir (aquisição), armazenar e evocar (recuperar) informações disponíveis, seja internamente, no cérebro (memória biológica), seja externamente, em dispositivos artificiais (memória artificial).
A memória focaliza coisas específicas, requer grande quantidade de energia mental e deteriora-se com a idade. É um processo que conecta pedaços de memória e conhecimentos a fim de gerar novas ideias, ajudando a tomar decisões diárias.
A nossa memória retém conhecimentos, informações, ideias, acontecimentos, encontros. Se perdêssemos a memória, deixaríamos de ser quem somos, porque o que fomos, o que somos e o que seremos depende, em grande parte, da memória. Mas o que aconteceu a Leonard Shelby não foi uma perda de memória. Ele sofre de uma amnésia anterógrada, o que impede a manutenção de novas recordações: as pessoas que encontra é como se as visse sempre pela primeira vez. No entanto, para tentar reter as informações recorre a vários esquemas de registo, como fotografias, mapas, tatuagens, etc..

Texto da aluna Inês Sofia Monteiro (nº 17 - Turma 12º 2 - para a disciplina de Psicologia B) inspirado no filme «Memento» do realizador Christopher Nolan, 2001.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

CARTOGRAFIA DA MEMÓRIA

Por CLARA BARATA, Dezembro de 1999, Jornal Público

Submetendo ratinhos a um jogo de forma intensiva, cientistas norte-americanos conseguiram resolver uma das muitas charadas que há que decifrar até chegar a compreender o mistério da formação de memórias. Para isso, desenharam um mapa das diferentes funções dos neurónios do hipocampo, uma zona fortemente associada com a formação de memórias.
O que é que se passa no seu cérebro quando fixa um número apenas o tempo suficiente até chegar a um telefone e marcá-lo? Uma equipa de cientistas norte-americanos analisou o que se passava no cérebro de ratinhos que faziam algo de equivalente e traçou, pela primeira vez, uma espécie de mapa da formação de memórias de curto prazo no hipocampo, uma área do cérebro que se julga ser crítica para a memória.
Tanto as experiências actuais como a retenção de experiências passadas são processadas no hipocampo, uma região nos ventrículos laterais do cérebro, composta por complexas camadas de tecidos corticais. Mas, ainda que esta região do cérebro seja considerada essencial para a formação e recuperação de memórias, "a natureza da sua contribuição é controversa", como diz Howard Eichenbaum, do Laboratório de Neurobiologia Cognitiva da Universidade de Boston (Massachusetts, EUA), num comentário publicado hoje na revista "Nature", a acompanhar o artigo em que Robert Hampson, John Simeral e Sam Deadwyler, do Departamento de Fisiologia e Farmacologia da Faculdade de Medicina da Wake Forest University (em Salem, Carolina do Norte), dão conta dos seus resultados.
Estudos feitos com seres humanos indicam que o hipocampo é crucial para a formação daquilo que se chama a memória declarativa - ou seja, a capacidade de recordar experiências pessoais e de relacionar estes episódios de maneira a formar um quadro mental do mundo que nos rodeia. Um estudo feito com crianças que tinham sofrido danos cerebrais devido à falta de oxigénio - e que, por isso, sofriam de amnésia e não conseguiam recordar-se de acontecimentos do dia-a-dia - revelou que estas mesmas crianças conseguiam obter resultados escolares dentro da média. Ou seja, eram capazes de dizer que Roma era a capital de Itália, mas não se recordavam que tinham lá passado as férias.
Experiências feitas com animais, no entanto, indicam que o hipocampo tem uma função importante no que toca à memória espacial e revelaram a existência no hipocampo de células específicas para esta função - neurónios que disparam quando um animal está num determinado local, como se assinalassem a chegada a uma determinada coordenada num mapa.
Estes resultados díspares entre homens e animais não permitiram estabelecer com grande certeza as funções do hipocampo, pelo que os cientistas têm procurado resolver a charada. "Estudos feitos recentemente começam a oferecer-nos a reconciliação entre a visão 'declarativa' e 'espacial' do processamento de informação feito no hipocampo", explica Eichenbaum.
Exemplo disso pode ser um artigo publicado na revista "The Journal of Neuroscience" em 1997, em que uma equipa do Instituto de Neurologia, de Londres, usou taxistas da capital britânica para testar a importância do hipocampo nas tarefas de orientação espacial desempenhadas pelos seres humanos. Usando exames de imagem (tomografia de emissão de positrões ou PET, na sigla inglesa), espreitaram o que se passava no cérebro dos taxistas quando elaboravam mentalmente uma rota na cidade de Londres. E concluíram que havia um aumento considerável do fluxo sanguíneo àquela zona, quando pensavam como ir de Piccadily Circus para a Torre de Londres, por exemplo.
O ponto de partida da equipa que agora publica os seus resultados na "Nature" foi precisamente o de tentar conciliar estas duas visões. "Outros estudos mostraram que o hipocampo contém neurónios que codificam a informação necessária para cumprir tarefas que requerem a formação de memórias de curto prazo, independentemente de exigirem competências de navegação espacial ou não", escrevem. A sua ideia foi realizar um reconhecimento cartográfico das memórias: "Um conhecimento mais pormenorizado da anatomia funcional do hipocampo poderá permitir compreender como essa codificação ocorre."
Os investigadores colocaram ratinhos num compartimento com duas alavancas colocadas lado a lado. De início, no entanto, apenas uma da alavancas lhes era apresentada. Depois de a pressionarem, eram interessados por outra actividade qualquer - durante um período que podia durar apenas um segundo ou 40. No fim deste período de distracção, eram confrontados com ambas as alavancas. Se carregassem na alavanca que não tinham visto antes, recebiam uma recompensa; se não o fizessem, o compartimento ficava às escuras durante cinco segundos, e o teste era repetido.
O objectivo era conseguir que o ratinho se lembrasse daquele fragmento de informação e o usasse para tomar uma decisão, quando tem duas alavancas à escolha. Se o intervalo entre as situações fosse curto, os ratinhos acertavam quase sempre. À medida que se alongava, também os ratinhos tendiam a esquecer-se. Tal como os humanos e os números de telefone, comentou Sam Deadwyler, citado num comunicado de imprensa da sua universidade.
Enquanto os ratinhos estavam a ser submetidos a este treino - faziam este jogo entre 100 e 150 vezes por dia -, os investigadores estavam a ver quais os neurónios do seu hipocampo que eram activados em cada uma das fases, através de minúsculos eléctrodos, que registavam os impulsos eléctricos das suas células cerebrais. E concluíram que os padrões de activação eram diferentes, consoante a alavanca que accionavam na última fase do teste.
Os neurónios do hipocampo estão agrupados em segmentos longitudinais, que eram activados quando os ratinhos cumpriam tarefas com atributos de organização espacial. Mas, entre estes segmentos, destacavam-se outros agrupamentos de neurónios, que codificavam os aspectos não-espaciais da tarefa. Por isso, conclui a equipa de Robert Hampson, esta "segregação anatómica" - uma espécie de divisão das funções de processamento da informação por diferentes camadas - "representa uma estrutura que pode ajudar a conjugar visões contrastantes da função do hipocampo".
"Estas observações sugerem que o hipocampo é fundamental para o registo de memórias episódicas e para o seu relacionamento no seio de redes maiores da memória espacial e não-espacial", diz Eichenbaum. E conclui: "O mesmo tipo de organização funcional pode mediar a ligação de memórias episódicas - e o acesso a elas através de determinadas pistas - em vários domínios da memória humana, tal como nos animais".

A MEMÓRIA E O ESQUECIMENTO


A nossa memória é a base da nossa vida; sem ela não sabemos quem fomos, quem somos nem quem seremos… Através da visualização do filme «Memento» apercebemo-nos do quão as nossas memórias são indispensáveis no nosso quotidiano; eu diria mesmo para a nossa sobrevivência! Pois esta além de ser o património que nos torna únicos é também o suporte para viver cada momento de forma especial.
Mas o mais incrível é que o esquecimento é condição essencial para a retenção de novas informações, mas esquecer tudo seria apagar o nosso passado, a nossa história de vida na qual nos baseamos para viver o presente.
“Memento” é sem dúvida um filme um pouco confuso. Fala-nos da história de um homem em perda, das suas recordações, da sua identidade e coloca-nos a nós, espectadores, nessa experiência de "desertificação" de referências. Estamos condenados, como o protagonista, a rebobinar obsessivamente o filme da nossa memória. Sabemos o que aconteceu e não o que vai acontecer. Começa na última parte e vai retrocedendo até à primeira, o que é um desafio à atenção do espectador e, graças à excelente montagem, o resultado é empolgante e eficaz, além de ser muitíssimo original! E depois há a reviravolta final, completamente imprevisível, deixou-me de boca aberta e ainda mais confusa.
Este filme torna-se, nesse sentido, um dos trabalhos mais estimulantes sobre a capacidade e o significado da memória de um ser humano e da rotina desse pensamento.
Com a visualização deste filme, dei-me conta do quão importante é a nossa memória, o quão importante é lembrar-me do que fiz ontem ou o que disse à vinte minutos atrás. Este filme transportou-me para outra realidade, uma realidade marcada pela confusão e igualmente por um sentimento intenso de frustração. Apercebi-me que a memória assume um papel de grande importância no meu dia-a-dia que até agora não me tinha dado conta. Não podemos viver de uma forma organizada se não tivermos o suporte essencial, a nossa memória.

Texto da aluna Elaine Lopes (nº 9 - Turma 12º 1 - para a disciplina de Psicologia B) inspirado no filme «Memento» do realizador Christopher Nolan, 2001.